março 03, 2004

A índole das criancinhas

- Sempre me guarde, me proteja, me ilumine, amém.

- Amém!

Houve um olhar repreensivo para a pequena Giulia ao pé da cama, que imediatamente completou:

- Amém, Papai do Céu!

As duas correram para debaixo das cobertas, com o acompanhamento da mãe, que ajeitou suas garotinhas acolhedoramente, com um leve beijo de boa-noite na testa de cada uma.

A mãe, por um simples comportamento de mãe, sentou-se na cadeira que estava ao lado e ficou por um instante observando suas crias, assim, com olhar de mãe, sem dizer nada. Foi interrompida pela curiosidade incontrolável de Nicole:

- O que foi, mamãe?

- Nada. Estava aqui pensando... Estive em Santo Amaro hoje e, na porta de uma loja havia uma família com um monte de criancinhas. Tinha uma, que estava no colo da mamãe dela, que chorava, chorava...

O olhos arregalados da Nicole, não apenas por curiosidade, mas, sobretudo, por sua essência infantil, virgem das maldades do mundo, precederam sua pergunta:

- Mas por quê?

- Ah, ela não tinha chupeta e a mãe dela não tinha dinheiro para comprar.

O siêncio tomou conta do quarto naquele momento, quando, inesperadamente, num ato terno e atípico nos dia de hoje, Nicole levou a mão à sua boca, pegou sua chupeta e entregou à mãe, em silêncio, sem a mínima necessidade de palavras. O silêncio permaneceu, até que a mãe o interrompeu:

- O bebezinho que estava chorando tinha mais cinco irmãozinhos. Assim, um pouquinho maior que ele...

Não precisou continuar. A pequena Giulia, sem muita certeza de sua decisão, porém, guiada pelo seu bondoso coraçãozinho, levou a mão até a chupeta, hesitou por um momento e entregou à sua mãe.

No meio daquela noite, a mãe teve seu sono interrompido com alguns leves chacoalhões. Abriu o olho lentamente e viu a pequena Giulia, que disse, meio sonolenta:

- Mamãe, você pode devolver a minha chupeta, por favor? A mãe do menininho que trabalhe para comprar uma chupeta pra ele, assim como a minha faz.

(adaptação de uma história narrada por um dos oitenta passageiros de um coletivo lotado, às sete horas da manhã de uma terça-feira ensolarada)

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