março 31, 2004

Começando pelo fim

Mania de começar pelo fim. Quem não tem curiosidade de saber o que vai acontecer no final? Como vai terminar a novela? E aquele filme, será que o mocinho realmente vai levar a melhor?

Essa característica é comum em todas as pessoas. A gente vive premeditando o que poderá vir depois. Vive com aquela curiosidade de saber se o romance vingará, se terminará o ano com dinheiro, se morrerá cedo e muitos outros “se”, que seriam suficientes para estender esse texto por mais umas quinhentas páginas. Tem gente que se rende às crenças de religiões africanas. Tem gente que prefere os costumes ciganos e tem gente até que acredita em dons sobrenaturais. Será que é bom viver correndo atrás do que acontecerá? Vai depender da circunstância, mas não deixa de ser um comportamento inevitável. Eu vejo isso de forma positiva quando nos permite o estabelecimento de metas, quando parte de um planejamento pessoal ou até mesmo profissional. Agora, a partir do momento que há o desprendimento do foco principal, dos verdadeiros objetivos, imaginando apenas o que poderá ser o final, pode sim senhor trazer prejuízos catastróficos. É preciso saber se policiar.

Em muitos momentos, nos atentamos ao final dos fatos e acontecimentos involuntariamente. Eu, por exemplo, tenho uma mania peculiar de, sempre que iniciar a leitura de um novo livro, ir direto à frase final. Se estraga a surpresa? No meu caso, não. Primeiro porque, saber do final desconhecendo o contexto, é irrelevante. E, depois, sempre acabo sendo absorvida pelo contexto e, conseqüentemente, esquecendo do final. Isso quando o destino não decide colaborar e o final acaba sendo o início por conta própria. Acabo de ler o livro 1933 foi um ano ruim, de John Fante, e descobri que ele foi publicado pouco antes de sua morte, no ano de 1983. Como é o segundo livro que leio do autor, não é mentira afirmar que iniciei a trajetória literária a la Jonh Fante pelo final.

Ainda no meio literário, no final do ano passado, ganhei o livro A Ditadura Derrotada, de Elio Gaspari, último livro da trilogia que completa-se com A Ditadura Escancarada e A Ditadura Envergonhada. Tive, claro, a opção de substituí-lo na livraria por qualquer um dos dois primeiros, mas optei por não fazê-lo. Mais uma vez, impulsionada pelo "ímpeto do que ocorrerá no final", resolvi iniciar minha leitura por meio das últimas conclusões do autor em relação à ditadura militar no Brasil. Comecei pelo último ciente de que, neste caso, a ordem dos fatores não iria alterar o produto. De súbito, fui atingida por uma dupla curiosidade: a de conhecer a visão de mais um jornalista a respeito deste drástico período político e a ansiedade de saber como foi que Elio Gaspari finalizou o terceiro fruto após anos de estudos, de coleta de depoimentos, aprendizados, e concepções de amizades, conforme o livro ilustra muito bem. Conclusão: independente de começo, meio ou fim, iniciei uma leitura prazerosa que poderei comentar mais a fundo em uma outra ocasião.

Continuando essa minha reflexão, certa vez, li um texto do ilustre Charles Chaplin que dizia algo sobre como a vida deveria ser iniciada com a velhice, quando já passamos pelas experiências de uma vida inteira, aprendemos, choramos, perdoamos, seguindo pela juventude, quando normalmente desfrutamos o que de melhor a vida nos oferece e sendo finalizada com um belo gozo, o momento da nossa concepção. Trata-se de uma teoria bastante interessante, fruto daquele nosso sentimento de saber antecipadamente no que vai dar a caminhada e em concluí-la em grande estilo.

Mas há algo realmente muito importante nesse pensamento. Existe, nisso tudo uma esperança, um otimismo, uma torcida pelo bem sucedido, seja lá o que ele for. E, se o fim é a felicidade, por que não começar por ele, ou melhor, por ela?

Nenhum comentário: