maio 28, 2004

Curriculum Vitae

Sou do tipo que adora um papo-cabeça, discutir a relação e ter o dom da discórdia. Não consigo ler em ônibus nem que a vaca tussa, detesto que sequer olhem para as minhas coisas em casa e não tô nem aí para os vizinhos que me chamam de metida porque eu gosto de economizar bons-dias pela manhã.

Até um tempo atrás, não admitia que falassem obscenidades na minha presença e levava qualquer briguinha aos extremos. Sou craque em interferir na educação do meu sobrinho-afilhado, mas sei que não sou um bom exemplo. Sou taxativa até o ponto de ter que liberar qualquer eletrodoméstico que ele queira fazer de brinquedo, para não ouvir pela centésima vez a Lala falando naquela fita: "de novo! de novo!". Urg! A "fita da Lala" é o efeito paralizante dele, mas eu prefiro mil vezes o Vitinho na sua versão original.

Tiro meus óculos para todas as refeições e não vivo sem meu walkman na bolsa. Deixo os meninos da tecnologia com os cabelos em pé quando meu Media Player apresenta qualquer sintoma de desconforto, e arranco inúmeras risadas no escritório quando penso que estou cantando em italiano.

Adoro quando as pessoas vêm ao meu lado perguntar sobre os personagens dos desenhos da Disney que ficam na minha mesa ou pedir qualquer indicação de leitura. Ou quando o Ryl me manda um texto incrivelmente interessante, perguntando minha opinião, só para gerar alguma argumentação inicial para o seu trabalho de faculdade.

Amo ir ao cinema sozinha em dia de semana, comprar pipoca para comer com sachê de pimenta e coca-cola, e ficar observando aquelas poucas pessoas presentes e a sala imensamente vazia. E depois, sentar na cafeteria do shopping para escrever após o filme. E no dia seguinte, comentar o filme e descobrir que minha opinião é diferente da de todo mundo, ignorando o fato de que os filmes que eu gosto não faz o gênero da maioria das pessoas que conheço.

Brigo com o Jackes todos os dias por e-mail e me descontrolo quando ele vem com o papo de que não vai me acompanhar a algum lugar porque não conhece as pessoas que estarão presentes. Mas morro de rir quando ele fica os shows inteiros identificando os artistas e seus acompanhantes, tentando me lembrar de seus personagens nas novelas. Acho que ele seria um ótimo "fofoqueiro".

Já tentei gostar de futebol, mas não levo jeito. Quando um menininho de cinco anos tentou me explicar o fenômeno do escanteio outro dia, fiquei fascinada, agarrei ele e tasquei-lhe um beijo. Aquela criaturinha que entendia de futebol tanto quanto o Pelé era simplesmente incrível. Igualmente fascinada fico quando um bando de marmanjão começa a discutir com o juíz (como se ele fosse ouvi-los lá de dentro da tela plana, 29"), dizendo que o tal fenômeno ocorreu, quando o homem de preto insiste em dizer o contrário. Fato esse que eu teria dificuldades para entender mesmo por meio de uma análise digital minuciosamente representada por gráficos e com a certeza de acontecimento assinada pelo Papa.

E ainda assim, sou obrigada a ouvir de certas pessoas o quão chata que sou. Alguma vez eu disse o contrário? Faça bom uso do meu currículo aquele que decidir me encarar.

maio 27, 2004

Ela por Ela mesma

O frio lá fora continua. E é bom porque se você estiver com a cabeça quente, basta abrir a janela.

O horóscopo diário insiste em afirmar a tal da racionalidade, que até agora eu não tive paciência para compreender. Paciência! Porque até agora eu também não entendi o porquê de ler essas palavras todos os dias, assim, como uma religião. Espera aí, mas não é uma religião? Talvez seja. Mas no fundo, no fundo é uma tentativa de prever o futuro, de saber o que os astros reservam e essas baboseiras todas. E eu, tão racional, como ele diz - o horóscopo - ignoro o fato de como um astrólogo lança algumas palavrinhas e essas palavrinhas servem para traçar, desvendar, ou seja lá o que for, o destino de milhares e milhares de pessoas do mesmo signo, dizendo o que acontecerá ou como elas estão se sentindo, assim, tudo ao mesmo tempo, como se todas as pessoas fossem iguais.

Um tanto quanto curioso, não? Tudo bem, nem posso falar muito porque sou rendida a essas palavras todos os dias e, não sei se verdade ou coincidência, sempre acabo relacionando algum fato ou acontecimento da minha vida a elas. É impressionante, mas elas sempre acabam desvendando meu estado de espírito. Vai ver são palavrinhas estratégicas. Ops! Acho que acabo de descobrir a minha tal racionalidade.

Quer saber? Acho que eu sou racional mesmo. Sou do tipo que acorda de manhã e antes mesmo de sair de casa já consigo saber se o meu estado de espírito será chato ou chatíssimo. Peraí, você também deve fazer isso. Tá, mas duvido que logo cedo você mande um e-mail ao seu melhor amigo avisando-o para não encher a sua paciência porque você não está num bom dia. Tudo bem, isso pode simplesmente não ser racional e sim um sintoma da sua chatisse incontrolável. Ou melhor, da minha.

Você aí deve estar pensando que estou assinando minha sentença de monstro, insensível e destruidora de corações. Não, meu amigo, não é nada disso. Sou até sentimental demais, se você quer saber. Choro até com final de novela e, dependendo do dia, meus olhinhos enchem-se de lágrimas ao ver um cachorrinho largado na rua. E eu nem gosto tanto de cachorrinhos assim. Isso é sinal de inconstância, aliás, característica também identificada pelo horóscopo. Se você for um bom observador, deve ter percebido essa falta de ritmo aqui no Proseando. E então, agora você quer falar de quê?

maio 22, 2004

Arrumação

A atenção que este blogue merece demora a chegar. Não, ainda não chegou. Eis apenas uma tentativa. Declaro inauguradas duas novas seções: a primeira, "Falando em Prosear...", foi criada há algumas semanas. No índice, vocês encontrarão alguns sites que falam de literatura cientificamente. Tenho uma nova listagem a inserir, mas está no computador do escritório. Prometo que disponibilizo em breve. A outra seção, "Prosas Musicais", traz sites oficiais de uma galerinha nova que vem surgindo por aí, promessa de sucesso. Destaque para o Vega que vocês já conhecem e para a Danyela Gato, que eu já acompanho há um tempinho, especialmente em suas apresentações no Pão com Manteiga, um simpático bar da região da Paulista. Com o passar do tempo, pretendo disponibilizar outros sites de pessoas que admiro, sim, pois assim como a literatura, a música também é uma grande paixão. Para finalizar, criei vergonha na cara e inseri mais alguns blogues amigos e outros que ainda não são. Espero que gostem e apreciem!
Domingo

Domingo,
Tristeza ao contrário
Dia Fútil
Dia útil

(caso alguém conheça o autor, fique à vontade para mencioná-lo)

maio 19, 2004

Eu vi, eu fui

A rá, eu estava lá!

E presenciei muitas coisas engraçadas. Vi a Camila se declarando para o Bruno de Luca, dizendo que ele era o ídolo dela desde a época da Malhação e quase morri de rir. Como se não bastasse isso, vi ainda a pentelha da Camila pentelhando os pentelhos do Pânico na TV, que não se continham em suas pentelhices. Vi também meu diretor abordando, e deixo bem claro que no bom sentido, a Maryeva, quando ela passou pela gente a caminho do camarim. Sim, vi as figuras mais esdrúxulas do meio artístico transitando pela Via Funchal. Lembram-se do Fly, dançarino da Xuxa, integrante do You Can Dance? É, ele não fez nenhuma performance, mas marcou presença. Fora algumas modelos loiras e peitudas que, nem mesmo se minha memória funcionasse corretamente, eu lembraria os nomes.

Sim, eu compareci à cerimônia de premiação iBest 2004 e ainda estou sob efeito do excesso de prosseco ingerido, o qual levou os mais sãos dos meus sentidos. Por isso, não liguem caso esse texto também comece a não fazer sentido algum.

A empresa em que trabalho concorreu à categoria fidelização pela academia e pelo júri popular. Não, não ganhamos. E nem vou adentrar no universo do "tudo muito estranho", para não nos estressarmos, ok? Sim, muito estranho como o maior site de fidelização da América Latina não leva, e a patrocinadora do evento abraça todos os prêmios que concorreram, inclusive o de fidelização. E nas duas categorias! Oh, não vou me adentrar.

Um ponto interessante que, particularmente, considerei um dos mais altos foi a premiação na categoria blogues. Peraí, não é empolgação demais. Afinal, estamos falando de um dos maiores prêmios de internet no Brasil. Vá lá que pode ter as suas particularidades, mas merece o nosso apreço. O blogue "Garotas que dizem Ni", que está aí ao lado, era um dos concorrentes e o meu favorito desde a época do Top 10. Foi o máximo ver suas criadoras, Clara McFly, Vivi Griswold e Fla Wonka, ao vivo e a cores. Pena que também não levaram, mas o reconhecimento que receberam com a indicação e tudo o mais foi válido, com certeza. Além disso, o fato de colaborarem para firmar ainda mais a categoria blogueira é um prêmio para todos nós, que prezamos por coisa de qualidade nessa internet de meu Deus. Parece papo de feminista, petista, ista, ista. Mas que mereciam a vitória, isso mereciam!

Mas tudo bem, ano que vem tem mais. Quem sabe o nosso humilde Proseando não marque presença? E quem sabe ainda, esta que vos fala saia de lá num estado, digamos, menos acoolizado? Tudo é possível.

maio 17, 2004

Notas

O frio resolveu aparecer aqui na Metrópole Desvairada. Não que isso seja um grande problema para os paulistanos. Muito menos para aqueles que passam 80% do dia dentro de um escritório, geralmente na parte mais alta de algum edifício, onde a vista para o lado externo dá a impressão de que é sempre noite e, claro, o ar condicionado na temperatura dos 18 graus suportáveis.

Não é nada incomum você sair na rua em plena manhã de verão e flagrar pessoas com blusas de frio entre seus pertences e, lógico, um guarda-chuva. Porque assim como o trânsito, nessa cidade o tempo também é imprevisível. Mas desta vez a culpa não é da imprevisão. E nem mesmo estamos no verão. Ouvi dizer que é reflexo do tal ciclone que apareceu lá pelas bandas do sul do país. Para pessoas como eu, que curtem um friozinho na espinha, é maravilhoso. Mas, para aquelas que fazem jus às belas praias do Brasilzão e, claro, do astro-rei brilhando lindão lá em cima, vou te contar. Deve ser um martírio. Mas o bom de tudo mesmo é que vivemos num país tropical e que o clima agrada igualmente a todos, não é verdade?


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Três comadres resolvem sair de casa na tarde de um domingo qualquer com destino ao teatro. Em decorrência da super lotação não prevista, os planos passam por uma pequena adaptação e o destino as levam a uma mega exposição fotográfica. De repente, as três, que não entendem nadinha de fotografia (uma delas tem dificuldade até de se auto-reconhecer num retrato), se vêem nas principais ruas de Sampa em pleno século XIX. Sob a vertente iconográfica introduzida pela ótica de grandes fotógrafos, elas realizam um passeio por São Paulo desde a época em que era um tímido vilarejo, captando cada aspecto que fez da Terra da Garoa uma grande metrópole. Cada fator determinante para o crescimento populacional de São Paulo e sua evolução do ponto de vista moderno e social deixou as garotas de queixo caído. De queixo mais caído ficaram, quando saíram daquele universo do tempo dos seus avôs, provavelmente, e se depararam com a Avenida Paulista linda e acolhedora como sempre. Mas vazia, não se esqueçam disso. Era um domingo. Como acabou? Num bar ali perto, num longo bate-papo de comadres, regado a chopp e chocolate quente porque, afinal, os corações ali eram paulistanos. Se você ficou com vontade, as três recomendam: São Paulo, 450 anos - A imagem e a memória da cidade no acervo do Instituto Moreira Sales. (Galeria de Arte do Sesi - Av. Paulista, 1.313 - São Paulo - SP).


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Se você acha que isso aqui está parado demais para o seu gosto, a alma do outro lado do seu monitor, a milhões e milhões de giga bytes luz, adverte: tenha paciência e muita fé, pois uma hora ela conseguirá ter o mínimo de organização possível e pelo menos dar a impressão de que as coisas estão caminhando no ritmo recomendável. Vejam bem: ela disse "recomendável".

maio 09, 2004

Mãe

Nesta data especial, aqui, representando todas as mães do mundo, e em especial a minha: Dona Isa.

A elas:

Amigas. Colegas. Às vezes, desconhecidas. Outras, irmã mais velha...

Mães em todas as ocasiões.

Seres especiais. Pedacinhos do coração de Deus. Presentes do Pai.

Sinônimo de esperança.

Força em pessoa.

Resposta para todas as perguntas.

Em cada lágrima. Em cada olhar. Em cada sorriso.

Amor. Fraternidade. Compreensão.

Nem que eu buscasse todos os adjetivos do mundo,

Nem que eu dominasse de todas a línguas: latinas, ocidentais, orientais,

Nem que eu tivesse a sensibilidade de Maria, mãe de todas as mães e de todos os filhos,

Nem mesmo assim, conseguiria traduzir em palavras o significado de

Mãe, palavra intraduzível.

Que as nossas mães tenham um lindo Feliz Dia das Mães!

maio 07, 2004

Meu lado esquerdo

Meu lado esquerdo do cérebro não funciona muito bem. É essa a justificativa que ofereço às pessoas quando fica explícito o quão avoada que sou. Não é uma justificativa inventada, pode acreditar. Também não sei se é plausível dizer que é aceitável, uma vez que eu não entendo nada de questões cerebrais ou coisa parecida, exceto a parte que justifica a insanidade humana, para a qual eu também contribuo e de forma bastante ativa. Se você, meu caro amigo, está achando isso um tanto esquisito, não ache. Lembre-se daquela velha e sábia frase do Caetano Veloso: "de perto, ninguém é normal" e a normalidade passou longe do meu planeta, tenha a certeza.

Quanto ao lado esquerdo, atribuo a justificativa a uma queda que tive aos três anos de idade, o que me coube uma fratura no lado direito da cabeça. Como existe a teoria de que o lado direito do cérebro comanda o esquerdo e vice-versa, adaptei essa lógica à minha problemática. Vai dizer que não faz sentido?! Se restaram seqüelas? Hmm... você tem alguma dúvida?

Pois bem, eu não tenho nenhuma. Para captar esse meu grau de loucura foi muito simples. Bastou mais uma vez acabar as pilhas do meu walkman para que eu me colocasse a refletir sobre a vida. Como? Simples e, se quiser, você também pode tentar. Pegue um dia da sua vida, apenas um dia, e trace sua trajetória. Tente, vá fundo. O meu dia escolhido rendeu ótimos resultados e muitas, mas muitas trapalhadas. Mas o pior de tudo foi descobrir que minha memória definitivamente não está compatível com meus quase 22 anos de idade. Não, não está mesmo.

Imagine você acordar as cinco da matina, tomar aquela ducha demorada para refrescar o tico e o teco e começar o seu dia com, não um, mas vários esquecimentos. Primeiro, depois do café da mama, peguei meus pertences e, quando cheguei ao portão, com um singelo toque na face percebi que estava sem meus óculos. De início, você até tenta se imaginar no escritório, na frente do computador sem eles e... não, não dá. Então, você sobe as escadas, caminha xingando a si próprio como uma autopunição, chega até a sua escrivaninha pensando no que raios você foi fazer ali mesmo. Ah, sim, os óculos. Apanha sua visão para o mundo exterior e ouve de novo todas aquelas recomendações de mãe. É engraçado porque todo dia é a mesma coisa, sem mudar uma vírgula: “vai com Deus, minha filha, tenha um bom dia, cuidado na rua com esses malucos, não chegue tarde...”.

Quando finalmente você chega ao portão novamente, não consegue passar para o lado de fora porque esqueceu as chaves. Oh, as chaves. Não adianta, desta vez, larga os pertences em cima de qualquer coisa e repete o percurso outra vez. Só não repete os mesmos palavrões pela milésima vez porque quando chega na porta se depara com sua mãe com as danadinhas na mão. Só resta rir da própria desgraça mesmo. Se você acha que este curto período matinal acaba por aí, está redondamente enganado. Depois de sair na rua e chegar ao ponto para pegar o coletivo, você percebe que alguma coisa está estranha. Não, não foi o passe que esqueceu em cima da escrivaninha. Parece ser algo mais importante. Mas, tudo bem, você apanha outro passe na bolsa e finalmente senta-se no banco altão que está lá todos os dias à sua espera.

O astro-rei brilhando e você, compenetrada, testando várias pilhas usadas jogadas na bolsa, tentando adivinhar se conseguirá concluir a viagem mantendo-se a par do noticiário do dia e, claro, daquela bela trilha sonora ou não. Mal sabe. A avenida Interlagos com aquele trânsito que faz qualquer um desejar ter o dom de poder se teletransportar. O coletivo tão lotado que faz você sentir remorso por estar sentado enquanto tantas pessoas estão em pé e as horas, vejam só, as horas voando. Isso sem contar que você ainda tem que enfrentar a avenida Berrini e o mau humor do motorista que nem iniciou o dia e já está estressado com o trânsito da cidade. Você olha para o relógio que, por algum milagre está no seu braço, e percebe então o que de tão importante havia esquecido. Sim, ele mesmo, o celular. Um dia sem celular. E você nem sequer pode dar uma ligadinha básica no escritório para avisar que não chegará trinta ou quarenta minutos atrasada como é de costume, mas sim uma hora. É, uma hora inteirinha, com todos os 60 minutos que lhe cabe. E, quando finalmente chega, percebe que o mocinho que chamou para a entrevista está à sua espera desde as oito horas e lembra-se, que maravilha, que de lá há exatamente 30 minutos tem que estar na avenida São João para um treinamento, cuja apresentação você esqueceu-se de pedir para gravarem em CD. Resta então você liberar um belo sorriso para descontrair e se conformar já que, bom, pontualidade nunca foi o seu forte mesmo.

Se você gostaria que as trapalhadas do dia terminassem por aí, na parte da manhã, fico feliz pela parte que me toca, mas não. Elas continuam durante o dia todo e, partindo dessa minha reflexão, não encontro outro diagnóstico senão, admitir que meu caso de fato é crítico. Então, finalmente começo a entender o porquê daquela franjinha de post it’s amarelos ao redor do meu monitor, sem contar os post it’s virtuais multicoloridos e adaptados com vários alerts na minha área de trabalho. Ah, agora eu também compreendo porque a minha mãe me acompanhou até o quarto outro dia, quando estava me preparando para dormir, só para avisar que eu estava usando óculos, morrendo de medo de que eu fosse dormir com eles e furar a vista com os parafusinhos. E ainda quando eu saio de manhã e, quase sempre, ela me acompanha fazendo um questionário: “está levando guarda-chuva?”, “o cheque do seu irmão?”, “não está esquecendo de nada?”.

Agora, pode falar: você acha que, depois de tudo isso, existe alguma chance do meu lado esquerdo exercer algum auxílio para o direito? Hum, hum, meu amigo. Negativo! O meu lado esquerdo realmente não funciona.

maio 05, 2004

O Jardim da Alienação

Enclausurada. Não apenas naquele lugar, mas dentro de si. Era assim que se sentia. Bem. Todo mundo dizia que aquilo tudo era para o seu próprio bem, a ponto de ela já não saber o que era bom e o que era ruim. O positivo e o negativo já não eram reconhecidos. Aprisionada num mundo desconhecido e tudo porque simplesmente quisera assim. Porque um dia acordou e nada mais fazia sentido. À sua volta, todos com o mesmo olhar. Sem aprovação, mas também sem repreensão. Cada ato, cada procedimento, cada gesto e cada contato era parte de um tratamento imposto. Pré-estabelecido. Necessário.

Longe de si, longe dos outros, de tudo, de todos. Não dominava suas vontades, não mais identificava os seus sentidos. Era escrava de algo desconhecido. Um instinto. Uma dominação que nascia sabe-se lá de onde, sem motivo, sem razão. Uma força que se apoderava assustadoramente partindo das entranhas da sua alma. Sim, uma necessidade sem razão de ser, apenas monstruosa. A condição que, cada vez mais, a afastava de si mesma. O vício. Ela era escrava do vício.

Ali, sentada, ela não enxergava e não ouvia. A única consciência era do que que estava por vir, mas mesmo assim não entendia. Aquilo tudo era forte demais para a sua essência. Não, ela não poderia fugir, mas não hesitava ao tentar. Levantou-se devagar, lançando um olhar insano para todos os lados. Que pena, não tinha noção do belo jardim que estava à sua frente - o jardim das mais belas flores do mundo. De repente, viu-se correndo e não percebia que esmagava as flores, uma a uma. Tentava uma fuga desesperada. O corpo formigava por inteiro, as mãos sobre cabeça, como se aquela dor fosse arrancada junto com cada fio de cabelo vermelho. O olhar, imcompreensível. Os olhos, sim, cobertos de lágrimas de desespero e gritos incontrolados que despertavam a atenção de qualquer um. O pavor no seu rosto parecia contagioso. Corria desnorteada, destruindo casa pétala de flor. Estava ensandecida. Nenhuma explicação plausível. Por um segundo pareceu entender o que acontecia. Mas não. Nada tinha explicação.

Uns cinco seres vestidos de branco em cima dela. A razão controlando a loucura. Na linguagem deles, ela estava sendo imobilizada. Na linguagem dos que pensam entender, estava claro que o líquido injetado nas suas veias era apenas mais uma dose de insanidade. Hipócritas os que pensam ser calmante. O seu corpo recebia agora um aditivo para impulsionar a sua perda de memória recente. Um auxílio para fugir dos problemas. Para continuar não entendendo nada. Para, no dia que encontrar alguma certeza na vida, certificar-se do nada. Perdia os sentidos, de fato, lentamente. Não precisaria sair dali algum dia para encontrar o nada. O nada fora mais rápido.

Quando finalmente abriu os olhos, percebeu-se sozinha no quarto. Serena. Tranqüila. Quem ousasse dizer que acabara de despertar de um pesadelo seria taxado como o maior infame do mundo. O nada ainda estava em sua mente. Levantou-se calma e caminhou cuidadosamente até a janela. Impulsionou a pequena fresta e deparou-se com um majestoso jardim. Lírios brancos em meio a rosas azuis. Cantos variados de pássaros invadiam os seus tímpanos e uma espécie rara de borboleta pousou ali perto. Não, ainda não era a liberdade.

maio 04, 2004

Fútil

Então pra você a homossexualidade é uma questão de contracultura? Sei. Assim como a Aids deve lhe parecer uma tendência comportamental. Ou uma escolha, como preferir. Algo como quando você acorda de manhã e diz "hoje quero ser gay" ou "hoje quero ser aidético". Isso sem a necessidade de afirmar o que realmente você de fato é ao expressar determinados pensamentos. Nem vem, porque determinados pensamentos não são absolvidos pela liberdade de expressão. Se você não entendeu, aqui eu faço as regras. E, só para deixar ainda mais claro, meu senso de defesa não é necessariamente a minha essência.