março 20, 2004

Família

Eram três. Pequenos, com idade não muito diferente entre um e outro. Sete, oito e nove, talvez. É possível que seja menos também. Suas idades somadas e multiplicadas por três totalizam a intensidade do sofrimento que carregavam pelo corpo. Mas eram fortes. E eram crianças. E sabiam sorrir.

Não estavam sós. Caminhavam pela noite escura e fria a caminho de casa. Sim, certamente, tinham um lar. Os dois menores vinham um pouco atrás, comentando sobre o susto que tinham acabado de levar com os latidos fortes da fera presa. Feras que pegam de surpresa aqueles que dificilmente se surpreendem.

O mais velho ia à frente, pela direita, acompanhado pelo Grande Líder Destituído que vinha à esquerda. No centro, uma Grande Causadora. Tinha o triplo de sofrimento que os garotos e parecia que trocara os papéis: responsabilidade com eles e inconseqüência com ela.

Era carregada pelos braços dos que a acompanhavam, que garantiam seu andar descompassado em zigue-zague. Parecia que estava inventando uma coreografia. Mas a sua dança era feia. Despudorada. E assustava os espectadores. Os corações ali presentes enchiam-se de angústia, de milhares de questionamentos, os quais não dizem respeito a ninguém. Ou dizem?

Estava calada, a Causadora. O único som que se ouvia era do sorriso das crianças. E das lágrimas que pingavam dos corações ali presentes. Do desespero que não se podia calar.

Eram crianças. Sim, crianças. Quando chegassem em casa, não receberiam o jantar materno. Não receberiam ordem para tomar banho e nem para apresentar o dever de casa. Também não receberiam o beijo de boa-noite.

Mas eram crianças e sonhariam com os anjinhos e teriam para sempre a proteção divina.

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