fevereiro 18, 2004

Impressões

À minha direita, dois. Uma, falante feito o simpático grilinho. Estava maravilhada por estar ao lado de quem estava. O sorriso nos lábios era freqüente e parecia recordar-se de momentos maravilhosos que tivera naquele final de semana. Parecia ouvir conselhos e estava feliz com o que ouvia. Sim, estava feliz. Sua alegria infantil era propícia. E era reparada. E era bem quista.

O outro retribuía. Não apenas em alegria, mas, sobretudo, em orgulho. Aquele momento também lhe era propício. Dava a impressão de que em breve, questão de uma hora no máximo, aquele momento seria transformado em saudade. Mas seria repetido no final de semana seguinte, o que era de grande consolo. De maior consolo ainda era o fato de que aquele momento ficaria marcado naquelas vidas para sempre. E na minha também.

Um pouco mais atrás, de costas para mim, mais dois. Um, carregava a experiência de uma vida bem vivida. Gesticulava e mexia-se como se cada gesto fosse uma grande lição. E que lição. Parecia respeitador, e merecedor de respeito também. Prendia a atenção do seu ouvinte. Este, bem mais jovem. Era calmo. Consentia com a cabeça cada palavra que ouvia e cada gesto que observava. Sorria educadamente de vez em quando. Absorvia como um discípulo à lição do seu mestre. E eu lá, esperando minha vez.

Mais perto, à minha frente, outros dois. A da esquerda para a direita trazia dentro de si uma vida além da sua. Aquela vida não demoraria muito a dar o ar da sua graça. Que bom. Era jovem e parecia não seguir os conceitos da moda. Também não fazia questão de ser um protótipo dela. Fazia a sua própria moda e era bela por isso. Parecia cansada e sensivelmente feliz. Ao seu lado, outro. Era jovem e apreciador da cultura urbana. Parecia conformado por ter que presenciar a vida que estava por vir. Aparentava carregar nas costas uma responsabilidade imposta. Mas não estava preocupado por isso. Como a outra, também parecia estar sensivelmente feliz.

Ali, naquele lugar reservado para idosos, deficientes físicos, gestantes e portadores de crianças no colo estava eu. Sozinha. Estava inaugurando a próxima modalidade exclusiva para aquele assento: alimento de antropófagos. Eu disse que estava sozinha? Mentira. Estávamos eu, Clarice e seus questionamentos. Nossos questionamentos porque, uma vez dela, eram meus também. Quando achei que estávamos entendendo alguma coisa, fomos interrompidos:

- Estação final Jabaquara. Desembarquem pelo lado direito do trem.

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