fevereiro 03, 2004

Da participação do Primeiro e Último Concurso de Microcontos, promovido por Marcelino Freire, nasceu o Médio Conto que se segue:

O menino que queria ser crônica

Seu nascimento já foi assunto para capa de jornal: nascera num táxi a caminho do hospital.

Nos principais acontecimentos da cidade, lá estava ele: no enterro do Seu Pafúncio, o primeiro açougueiro da cidade. Na cerimônia de posse do Prefeito Mascarenhas e até nas bodas de ouro do Seu Ítalo e da Dona Dorinha.

Dizia para todo mundo que um dia ainda haveria de ficar conhecido no país.

Quando ele aparecia, todos logos diziam: “Olha lá o menino que quer ser crônica!”

No dia do baile de debutante da filha do Seu Fortunato, a cidade toda estava com ares de festa. Seria um evento que ninguém perderia por nada neste mundo. Todos estavam alegres e ansiosos, exceto Raimundinho, o namorado da moça. Ele foi incumbido pelo sogro de preparar um belo discurso para a aniversariante, e teria que ser algo de emocionar platéias. O problema era que Raimundinho não tinha a mínima intimidade com as palavras.

O Menino que queria ser crônica, sabendo da dificuldade do rapaz, resolveu ajudá-lo de forma simples e encantadora: correu até a casa do Seu Andrade, o poeta da cidade, e pediu emprestado aquele livro de poemas do... do... como era mesmo o nome dele? Do Poetinha, sabe? Pois bem. O Seu Andrade, que sabia exatamente de quem se tratava, apanhou a coletânea de poemas e entregou-a ao Menino.

O Menino que queria ser crônica saiu correndo, eufórico para encontrar Raimundinho. De repente, no meio do caminho, foi atropelado por um dos caminhões carregados de flores para a festa.

A cidade, em euforia, não se deu conta do acontecimento. Logo mais à noite, na hora do discurso, Raimundinho, muito nervoso, não sabia por onde começar. Com a voz trêmula e muito nervoso, perguntou:

- Céus, cadê o Menino que queria ser crônica?

Alguém lá ao fundo, entre a multidão de convidados, respondeu:

- O Menino que queria ser crônica? Virou poesia.

Nenhum comentário: