abril 30, 2004

Os Criadores e a Criatura

Loucos. Descabelados. Solitários. Você reconhece essas características? Hmm... deixe-me ajudá-lo. Você tem ido ao cinema ultimamente? Se sim, deve ter percebido explicitamente a forma como os cieastas vêem os escritores. Sim, até mesmo aqueles que são sucesso de mídia. Todos têm traços de loucura - quando não no porte físico, são facilmente identificados nos aspectos psicológicos das personagens. Todos, em determinado momento, se descabelam por alguma coisa, isso quando não são descabelados visualmente falando mesmo. Chega a dar medo. E todos são solitários, é impressionante. Parece até que é uma taxação prioritária. Quando não são vítimas do divórcio, são figuras focadas no trabalho e não disponíveis para qualquer aventura amorosa (quadro que muda só no final do filme, lógico), ou, são homossexuais do tipo frustrados e desgraçados pela vida.

Além do mais, parece que é moda abordar personagens escritoras nos filmes ultimamente. Não que eu ache ruim, muito pelo contrário, me divirto e muito, mas que isso chama a atenção, ah... chama. E desperta atenção também, além das três características básicas que citei há pouco, os vários perfis de escritores que nos apresentam. Até pouco tempo atrás, minha visão de escritor era um vovozinho ou uma vovozinha de cabelos bem branquinhos, com aqueles óculos redondinhos e com aquela carinha que dá vontade de apertar de tão fofa. Isso, claro, até eu quebrar a bolha que me protegia das coisas boas da vida e conhecer uma rapaze que deixa de cabelo em pé qualquer tipinho simpático dito literato tradicionalista. Hmm... vocês nunca ouviram falar da Geração 90 de escritores, certo? Não sabem o que é o humor bombástico do Marcelino Freire? A visão mais que naturalista da vida pelos olhos de Clarah Averbuck? A "fama transgressora" de Nelson de Oliveira? A criativa linhagem poética de Fabrício Carpinajar? Sem falar nos muitos e muitos talentos que esse texto não comportaria... Se não conhece, nem preciso fazer convite, certo?

Pois bem, o protótipo de escritor abordado pelos cineastas e aquele que o ensino de litetatura na escola nos oferece é completamente diferente, diante do que realmente é o que escreve a história da nossa geração atualmente. Mais do que loucos, descabelados e solitários, temos gente com sede de juventude, de criar novas frentes de discussões, de admitir que estamos em pleno século XXI e que temos que escrever a realidade nessa nova linguagem, falar de geração para geração. Não falo aqui de transgredir regras gramaticais, de transformar a língua materna numa linguagem chula. Falo língua materna porque essa evolução de que trato não é apenas brasileira. A literatura possui um elo mundial globalizado. E, acreditem, não falo somente de adolescentes de classe média com piercings and tatoos que decidem embrulhar pra presente suas aventuras sexuais e narcóticas e oferecerem à mídia para, então, transformar-se naquilo que todos nós já sabemos.

Certo, não é novidade que cinema e mundo real não são a mesma coisa. O cinema trata os escritores com certo diferencial, mas não está acompanhando nem de longe essa evolução. O tipo louco psicótico que sofre de distúrbio de personalidade múltipla, vivido por Johnny Depp em "A Janela Secreta", é caótico, caricato. De fato, cômico, mas não real. O solitário e mega confuso Alex, vivido por Luke Wilson em "Alex e Emma" é até normalzinho, mas não passa de um tipinho cômico limitado. Sim, às vezes, eles dão umas dentro. Em "Encontrando Forrester", Sean Conery, apesar de esquisito por tratar-se de um ser recluso não só em seu apartamento, mas em seu inconsciente, não está tão distante do que seria um escritor experiente nos dias de hoje. Só para não me estender muito, vale citar Diane Keaton em "Alguém tem que ceder". Sim, o filme arranca ótimas gargalhadas, apresenta as nuances cômicas das personagens, mas a escritora teatral vivida por Diane parece ser bem situada em seu mundo, em sua realidade, principalmente quando adapta sua própria realidade.

E, falando em realidade, a literatura não possui só um aspecto imaginário, como a maioria das pessoas pensam. Principalmente, quando lemos um escritor situado em nosso tempo. Conhecer a literatura e seus criadores nas telonas é ótimo, mas muito mais interessante é conhecê-los por meio das suas próprias obras, através delas. Tente e me conte depois.