abril 12, 2004

Mudanças

Agora ele fechou os olhos. Quer ver o mundo com os ouvidos, para que aquilo que captar chegue mais rápido ao coração, assim como aquela canção que faz a gente chorar. Ver o mundo como uma canção. Faz a vida ganhar um sentido mais intenso, mais profundo, sabe? Como notas musicais que se adentram pelos poros, por qualquer orifício disponível.

Ele quer realizar o encontro da imaginação com a vida. Porque ele acha que a imaginação é o princípio da verdade. E eu, honestamente, acho que ele tem razão. Porque a razão é um dos combustíveis da vida. É, eu acho isso. Mas, que droga, ele não quer saber da razão. A razão, para ele, é conotativa. A razão, para ele, não é única e nunca vai ser. A razão têm várias caras, vários donos. Cada um sabe identificar a sua de olhos fechados. E ele permanece lá, se redescobrindo ao som do mundo. Consegue pensar em várias coisas ao mesmo tempo, como um cérebro feminino, como se sua alma fossem duas - uma feminina e outra masculina. E conclui que, de olhos fechados, qualquer homem nesse mundo é capaz de enxergar três mil vezes mais que de olhos bem abertos.

Ora, ora, ele consegue até conter lágrimas e sorrir. Sabe detectar a paisagem pela janela sem ver as suas cores e formas. Consegue até enxergar as várias feições ali presentes. E de olhos fechados. Ele está se redescobrindo, talvez, renascendo. Ainda não sebe quem são seus pais. Ele não deseja saber isso agora. Agora, não. Está provando a liberdade de forma digna. De uma forma não convencional, o que tem tudo a ver com sua personalidade. Sem desgastes, sem males causados, sem perdas, sem danos, sem sofrimento. E de pensar que se é possível renascer em conseqüência de um sofrimento. Chega a dar frio no estômago. Mas é um fenômeno maravilhoso comum a poucos. Igual ao Cometa Halley, que nem todo mundo teve ou terá a oportunidade de ver.

E o alívio? É possível ter noção do tamanho da cruz que foi tirada das suas costas. Por um instante dá a impressão de que ele não tem mais responsabilidades. Mas viver já não é uma grande responsabilidade? Sim, ser dono do próprio nariz, saber o que dizer e para quem dizer, saber pra que lado ir, o que ter, o que jogar fora e a quem recorrer. Ninguém é sozinho no mundo. O mundo é bem menor do que a maioria das pessoas imaginam. Ninguém é sozinho no mundo, nem que a companhia seja a própria consciência. Mas isso sendo radical demais, é claro.

Mas uma coisa é certa: ele ainda não é feliz de fato. Xiii, ser feliz de fato não é nada fácil. Minha vã sabedoria inexperiente diz que ele está no caminho certo. Não importa se de ônibus ou de táxi, mas ele está no caminho certo. Eu vou acompanhá-lo. Talvez não passo a passo, mas estarei junto dele em alguns momentos. No momento certo, eu estarei lá e tenha a certeza de que minha contribuição não terá sido miúda, não. É o que diz minha razão e acredito que a dele também.

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