janeiro 21, 2004

Florescer de uma amizade - Parte I

Aquele final de tarde parecia preceder uma noite bastante agradável. Debaixo daquele céu avermelhado, anunciando a partida do astro rei e deixando bem claro que ele voltaria no dia seguinte, duas almas unidas pela cumplicidade de uma atípica amizade observavam em silêncio o mergulho de cada pedrinha naquele lago refrescante. Kaíque decide quebrar o silêncio:

- Cacau, posso perguntar uma coisa?
- Hum hum.
- Você... você gosta de mim?

Naquele instante, um pardalzinho aterrisou na margem do lago, como se fosse ouvir a maior declaração dos últimos tempos. Cacau vira-se para Kaíque com um olhar surpreso e um sorriso quase imperceptível nos lábios. Observa-o por um instante e não esconde o sobressalto:

- Por que você me pergunta isso? O verbo gostar é tão complexo - você pode gostar de algo, de alguém, de tudo, de nada. Gostar todo mundo gosta e o que importa é como se gosta. Gosta-se muito, gosta-se pouco, gosta-se com amor, apenas com carinho. É claro que eu gosto de você.

Kaíque ainda não tinha se acostumado com esse jeito tão metódico de Cacau, mas nunca intervinha. Ele a respeitava e talvez seja por isso que os dois têm se dado tão bem durante esses oito anos de amizade. Lembrara-se então que, para Cacau ceder respostas diretas, as perguntas teriam que ser diretas:

- Você gosta de mim com amor?

Suas faces estavam avermelhadas, mas em nenhum momento teve vontade de sair correndo. Permaneceu lá, segurando aquela pedrinha com os olhos fixos em Cacau, que continuava sua reflexão:

- Se o amor fosse apenas o complemento de uma grande amizade, creio que teríamos mais amor no mundo do que inveja, ódio e demais terríveis sentimentos. Eu acredito numa amizade verdadeira, mas o que é o amor? Dizem que é algo grandioso e que alcança dimensões jamais imaginadas. Acredito também que o amor seja eclético, você não acha? Existe amor de irmão, amor de mãe, de amantes e, claro, amor de amigos. É, eu gosto de você com amor.

Aquele jeito de falar de Cacau deixava Kaíque confuso, mas ele tinha consciência de que sua pergunta soara aos ouvidos de sua amiga com um súbito despreparo. Não poderia esperar uma simples resposta. A corajem que segurara até então estava sumindo. Arremeçou a pedrinha que estava em suas mãos ao lago, espantando o pardalzinho que saiu voando desnorteado. E aquele lindo final de tarde foi invadido novamente pelo silêncio esvaído em pensamentos.

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