maio 05, 2004

O Jardim da Alienação

Enclausurada. Não apenas naquele lugar, mas dentro de si. Era assim que se sentia. Bem. Todo mundo dizia que aquilo tudo era para o seu próprio bem, a ponto de ela já não saber o que era bom e o que era ruim. O positivo e o negativo já não eram reconhecidos. Aprisionada num mundo desconhecido e tudo porque simplesmente quisera assim. Porque um dia acordou e nada mais fazia sentido. À sua volta, todos com o mesmo olhar. Sem aprovação, mas também sem repreensão. Cada ato, cada procedimento, cada gesto e cada contato era parte de um tratamento imposto. Pré-estabelecido. Necessário.

Longe de si, longe dos outros, de tudo, de todos. Não dominava suas vontades, não mais identificava os seus sentidos. Era escrava de algo desconhecido. Um instinto. Uma dominação que nascia sabe-se lá de onde, sem motivo, sem razão. Uma força que se apoderava assustadoramente partindo das entranhas da sua alma. Sim, uma necessidade sem razão de ser, apenas monstruosa. A condição que, cada vez mais, a afastava de si mesma. O vício. Ela era escrava do vício.

Ali, sentada, ela não enxergava e não ouvia. A única consciência era do que que estava por vir, mas mesmo assim não entendia. Aquilo tudo era forte demais para a sua essência. Não, ela não poderia fugir, mas não hesitava ao tentar. Levantou-se devagar, lançando um olhar insano para todos os lados. Que pena, não tinha noção do belo jardim que estava à sua frente - o jardim das mais belas flores do mundo. De repente, viu-se correndo e não percebia que esmagava as flores, uma a uma. Tentava uma fuga desesperada. O corpo formigava por inteiro, as mãos sobre cabeça, como se aquela dor fosse arrancada junto com cada fio de cabelo vermelho. O olhar, imcompreensível. Os olhos, sim, cobertos de lágrimas de desespero e gritos incontrolados que despertavam a atenção de qualquer um. O pavor no seu rosto parecia contagioso. Corria desnorteada, destruindo casa pétala de flor. Estava ensandecida. Nenhuma explicação plausível. Por um segundo pareceu entender o que acontecia. Mas não. Nada tinha explicação.

Uns cinco seres vestidos de branco em cima dela. A razão controlando a loucura. Na linguagem deles, ela estava sendo imobilizada. Na linguagem dos que pensam entender, estava claro que o líquido injetado nas suas veias era apenas mais uma dose de insanidade. Hipócritas os que pensam ser calmante. O seu corpo recebia agora um aditivo para impulsionar a sua perda de memória recente. Um auxílio para fugir dos problemas. Para continuar não entendendo nada. Para, no dia que encontrar alguma certeza na vida, certificar-se do nada. Perdia os sentidos, de fato, lentamente. Não precisaria sair dali algum dia para encontrar o nada. O nada fora mais rápido.

Quando finalmente abriu os olhos, percebeu-se sozinha no quarto. Serena. Tranqüila. Quem ousasse dizer que acabara de despertar de um pesadelo seria taxado como o maior infame do mundo. O nada ainda estava em sua mente. Levantou-se calma e caminhou cuidadosamente até a janela. Impulsionou a pequena fresta e deparou-se com um majestoso jardim. Lírios brancos em meio a rosas azuis. Cantos variados de pássaros invadiam os seus tímpanos e uma espécie rara de borboleta pousou ali perto. Não, ainda não era a liberdade.

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