outubro 26, 2006

O trecho a seguir faz parte de um projeto que talvez seja o verdadeiro motivo da minha diferença nesse mundo indiferente. Encontrei sem querer e considero conveniente compartilhá-lo em primeira e única mão, antes do definitivo, aqui e agora.

"O meu corpo e as minhas sensações estavam explodindo num consentimento coletivo de que aquele era o momento de me transbordar, a minha terapia favorita do ato de compreender a vida sem pensar nos acontecimentos. Simplesmente deixando a música me levar, chacoalhando e misturando meus motivos interiores – que são muitos – ao teor alcoólico que circulava pelo meu sangue. A questão ali não era solucionar problemas e tampouco buscar mais. Bastava eu fingir acreditar na crença de que a força que havia me levado até aquele lugar era a mesma que havia levado todas aquelas pessoas, de modo que a nossa aliança era o compartilhamento de suor que saltava dos poros e se confundiam na tentativa de entender se eram meus ou se eram deles. Estava eu absorto por aquela energia, entregue a uma sensação desconhecida que me parecia tão cúmplice, até que avistei aqueles olhos. Aquele brilho parecia dizer um “sim, eu te entendo”, um “está tudo bem agora porque eu estou aqui”. Foi então que eu entreguei minha bebida a um barman que acabara de passar e decidi sair da minha inércia, voltando à lucidez. Sorri. E foi a melhor resposta em sorrisos que eu já tive, a promessa de que o céu existia e esperava por mim. Por nós. Como se uma bolha tivesse sido criada à nossa volta, e a música fosse o único elemento externo que permitíamos entrar, criamos nós o nosso momento de nirvana. Agora era uma terapia em conjunto, limitada a duas almas, formada apenas pelo remexer do corpo e o bater do coração. Não precisávamos de palavras, até mesmo porque, se as buscássemos, certamente não as encontraríamos. A música era a nossa oração, daquelas tão intensas e tão profundas, que não se tem a necessidade de pensá-las e refleti-las para que fiquem mais fortes. Era uma reza brava. De repente, a música começou a baixar de volume e eu comecei a achar que não tinha apenas dois membros superiores. Naquele momento eram quatro, eram oito, eram muitos. Meus olhos ganharam vontade própria e fecharam-se por si. Quando dei por mim, sua língua estava conhecendo a intimidade da minha. Não hvia a necessidade de palavras, os nossos olhos queriam conhecer o nosso interior e a minha alma reconhecia aquela alma como se a nossa cumplicidade existisse de anos, de séculos, outras vidas."

outubro 15, 2006

Abobrinhas, não
Itamar Assumpção

Cansei de ouvir abobrinhas
vou consultar escarolas
prefiro escutar salsinhas
pedir consolo às papoulas
e às carambolas
pedir um help ao repolho
indagar umas espigas
aprender com pés de alho
ouvir dicas das urtigas
e dessas tulipas
um toque pro miosótis
um palpite do alpiste
uma luz da flor de lótus
pedir alento ao cipreste
e pra dama da noite
pedir conselho à serralha
sugestão pro almeirão
idéias para azaléias
opinião para o limão, pimentão
abobrinhas não