fevereiro 29, 2004

Para R.

Certos momentos acontecem na vida da gente, assim, sem mais nem menos. Nos pega de surpresa pelas mãos e nos oferece aquilo que pode ser visto como um tapa na cara ou como uma grande lição. Você é quem escolhe. E, de repente, você se vê em meio a decisões que estão lá, para serem tomadas.

Ao som daquela trilha sonora que sempre fez parte de tudo o que sentiu e, óbvio, do que ainda sente, você percebe que uma nova coreografia precisa ser inventada. E agora, depende só de você. A música está rolando. Não, não é Mandala. Também não é Magriço e talvez não seja da Lua. Ah, esse tum tum tum não é só o seu coração.

A primeira parte da coreografia foi apresentada. Acho que você não precisará de ensaios. A-ha, mas essa coreografia não pode ser dançada sozinha. Mesmo só, o seu par continuará sendo o mesmo. Tenha paciência que ele vai aprender esse seu novo passo, essa lição, esse você, assim ao seu modo. Vai, vai acontecer sim. E então, diga simplesmente: vida, obrigada. Vida, obrigada!

fevereiro 26, 2004

Como se fosse ontem

O tempo passa, hem? E de pensar que, como se fosse ontem, estávamos nós lá, brincando na rua, jogando queimada, tentando me ensinar a andar de patins (lembra?), cantando a "Pinta da Angélica", dançando a quadrilha, fazendo nosso baile de Carnaval com a rua interditada, com os confetes e serpentinas que seu pai trazia para nós, tramando a nossa festa do Dia das Bruxas lá na minha casa, onde ficava a mesa de ping-pong e, lá mesmo, em cima da mesa, num dia como esse, fazendo bolo. Sim, cada uma contribuía com um ingrediente e, na hora da "dedada", não tinha cerimônia. Uns cinco ou seis dedos dentro da vasinha e, se uma espertinha ousasse repetir, lá ia todo mundo de novo.

Depois, a odisséia para ver qual mãe assaria o bolo. Quantas vezes andamos com a vasilha coberta por um guardanapo na rua, perguntando para sua mãe, para a minha, a Bete, a Clarinda... Lembra? Era uma festa. Na verdade, o início da festa porque à noite tinha festa de verdade. Ao som de Ilariê, Quem quer Pão, Vamos Brincar de Índio e outras que não me recordo, a garotada toda pulava e dançava, parava um pouco para ver a Xuxa desfilar na TV, e, em seguida, saboreava o maravilhoso Bolo da Carmelita. Que bolo!

Dias como esse, Ju, para mim e para você são especiais. Pelas lembranças, pelas alegrias e pelos perdões. Lembra daquele dia que você me surpreendeu numa bela tarde com uma Cesta de Chá da Tarde? Nem lembro há quanto tempo não nos falávamos. Nem mesmo o motivo. Será que foi a vez do tubarão?

"Tubarão é preto ou azul?", você perguntou na aula de Biologia da professora Luciana.

"Ai, burra, é preto, né?", respondi como se fosse uma especialista em tubarões.

De repente, você pegou minhas coisas que estavam com você, jogou no chão e disse para eu nunca mais lhe dirigir a palavra. Assim, sem ninguém entender nada, como tinha de ser, ficamos um bom tempo sem nos falar. Nós, que éramos tão grudadas, unha e carne. Uma morria de vontade de falar com a outra, mas qualquer coisa impedia. Como não tenho muita noção de tempo, não sei exatamente se isso durou semanas ou meses, acho que você também não sabe. Mas acabou naquela tarde, quando você resolveu engolir o orgulho e "quebrar as minhas pernas". Foi complicado dar aquele telefonema de agradecimento, mas foi um dos melhores telefonemas que já dei em minha vida, o meu melhor orgulho engolido.

Hoje, cada uma com a sua vida, seus amores, seus problemas, seus objetivos, ainda fazemos desta amizade algo importante. Eu aqui, com meu jeitinho calmo de ser, e você aí, doidinha como sempre (e noiva???). E, num trio super bacana, você, a Loiríssima e eu faremos de nossas boas lembranças algo sempre presente em nossas vidas, não importa o tempo ou a distância que nos separe. Tudo sempre acabará em ótimas gargalhadas.

A você, Ju Magra, Ju Silveira, Ju da Carmelita, Ju Vassoura (com todo o respeito), meus sinceros e calorosos PARABÉNS!!!!
Bandeira
Zeca Baleiro

Eu não quero ver você cuspindo ódio
Eu não quero ver você fumando ópio
Pra sarar a dor

Eu não quero ver você chorar veneno
Não quero beber do seu café pequeno
Eu não quero isso seja lá o que isso for

Eu não quero aquele eu não quero aquilo
Peixe na boca do crocodilo
Braço da Vênus de Milo acenando tchau

Não quero medir a altura do tombo
Nem passar agosto esperando setembro
Se bem me lembro

O melhor futuro esse hoje escuro
O maior desejo da boca é o beijo
Eu não quero ter o Tejo me escorrendo das mãos

Quero a Guanabara quero o rio Nilo
Quero tudo ter estrela flor estilo
Tua língua em meu mamilo água e sal

Nada tenho vez em quando tudo
Tudo quero mais ou menos quando
Vida vida noves fora zero
Quero viver quero ouvir quero ver
(Se assim quero sim acho que vim pra te ver)

fevereiro 18, 2004

Impressões

À minha direita, dois. Uma, falante feito o simpático grilinho. Estava maravilhada por estar ao lado de quem estava. O sorriso nos lábios era freqüente e parecia recordar-se de momentos maravilhosos que tivera naquele final de semana. Parecia ouvir conselhos e estava feliz com o que ouvia. Sim, estava feliz. Sua alegria infantil era propícia. E era reparada. E era bem quista.

O outro retribuía. Não apenas em alegria, mas, sobretudo, em orgulho. Aquele momento também lhe era propício. Dava a impressão de que em breve, questão de uma hora no máximo, aquele momento seria transformado em saudade. Mas seria repetido no final de semana seguinte, o que era de grande consolo. De maior consolo ainda era o fato de que aquele momento ficaria marcado naquelas vidas para sempre. E na minha também.

Um pouco mais atrás, de costas para mim, mais dois. Um, carregava a experiência de uma vida bem vivida. Gesticulava e mexia-se como se cada gesto fosse uma grande lição. E que lição. Parecia respeitador, e merecedor de respeito também. Prendia a atenção do seu ouvinte. Este, bem mais jovem. Era calmo. Consentia com a cabeça cada palavra que ouvia e cada gesto que observava. Sorria educadamente de vez em quando. Absorvia como um discípulo à lição do seu mestre. E eu lá, esperando minha vez.

Mais perto, à minha frente, outros dois. A da esquerda para a direita trazia dentro de si uma vida além da sua. Aquela vida não demoraria muito a dar o ar da sua graça. Que bom. Era jovem e parecia não seguir os conceitos da moda. Também não fazia questão de ser um protótipo dela. Fazia a sua própria moda e era bela por isso. Parecia cansada e sensivelmente feliz. Ao seu lado, outro. Era jovem e apreciador da cultura urbana. Parecia conformado por ter que presenciar a vida que estava por vir. Aparentava carregar nas costas uma responsabilidade imposta. Mas não estava preocupado por isso. Como a outra, também parecia estar sensivelmente feliz.

Ali, naquele lugar reservado para idosos, deficientes físicos, gestantes e portadores de crianças no colo estava eu. Sozinha. Estava inaugurando a próxima modalidade exclusiva para aquele assento: alimento de antropófagos. Eu disse que estava sozinha? Mentira. Estávamos eu, Clarice e seus questionamentos. Nossos questionamentos porque, uma vez dela, eram meus também. Quando achei que estávamos entendendo alguma coisa, fomos interrompidos:

- Estação final Jabaquara. Desembarquem pelo lado direito do trem.

fevereiro 15, 2004

“(...) - Que fazia domingo na praça? A praça é larga e solitária – disse afinal lentamente procurando recordar e atender ao pedido do homem. – Sim... Tanto sol, preso ao chão como se nascesse dele. O mar, a barriga do mar, calada, arquejante. Os peixes em domingo, volteando rapidamente as caudas e serenos continuando a abrir caminho. Um navio parado. Domingo. Os marinheiros passeando pelo cais, pela praça. Um vestido cor-de-rosa aparecendo e desaparecendo numa esquina. As árvores cristalizadas em domingo – domingo é qualquer coisa como árvores de Natal -, brilhando silenciosas, contendo, assim, assim, a respiração. Um homem passando com uma mulher de vestido novo. O homem quer não ser nada, anda ao lado dela olhando-a quase de frente, indagando: diga, mande, pise. Ela não respondendo, sorrindo, puro domingo. Satisfação, satisfação. Pura tristeza sem mágoa. Tristeza que parece vir de trás da mulher de cor-de-rosa. Tristeza de domingo no cais do porto, os marinheiros emprestados à terra. Essa tristeza leve é a constatação de viver. Como não se sabe de que modo usar esse conhecimento súbito, vem a tristeza. (...)”

Perto do Coração Selvagem - Clarice Lispector

fevereiro 14, 2004

Gostar

Gosta-se muito, gosta-se pouco
Gosta-se do ontem, gosta-se hoje
Gosta-se tanto que nem sei o quanto isso significa

Gosta-se de gente, gosta-se da gente
Assim, juntinhos, unidos pelo gostar
Da natureza, dos animais, do que nos faz feliz

Gostar da vida, da felicidade
Gostar do gostar de gostar
De você assim, pertinho de mim

fevereiro 12, 2004

Você acredita em Marciano?

Poderia ser simplesmente Silva. Poderia ser Souza. Poderia ser Pereira. Poderia ser Souza e Silva Pereira de Oliveira Costa Albuquerque Pinto. Poderia ser Stalamoviskiwysk. No entanto, é Marciano.

Juliana de mãe e Marciano de pai. Poderia ter um sutil Cuenca antes, mas, dona Isa, ao ter sua primeira filha com o sr. Antonio, quis manter a estética do nome dos primeiros filhos do seu esposo. Assim, ficou apenas e tão somente Juliana Marciano. Só isso.

Mas, de onde veio este nome? Quem respondeu que veio de Marte chegou perto. Realizando uma breve pesquisa em minha árvore genealógica é fácil perceber que somente meu pai herdou o sobrenome Marciano. Nem meu avô, tampouco minha avó, nenhum tio, nenhum primo, ninguém. Eu poderia realizar uma seção espírita e perguntar aos meus avós de onde veio essa criativa idéia de batizar o primeiro filho com um sobrenome tão peculiar, já que dona Isa não sabe explicar e nunca me lembro de questionar o sr. Antonio quando estamos juntos.

O curioso é que nenhum dos demais filhos deste casal tão, digamos... diferente, teve o ímpeto de questioná-lo. A explicação mais plausível que encontrei até então é que Marciano realmente veio de outro mundo, até que alguém prove o contrário. Vovó??? Vovô???

Mais curiosas ainda são as situações que nós, Marcianos de batismo, presenciamos às vezes. Na escola, já dá para imaginar a gozação, né? Varia de ET, Djou (de outro mundo), Mimimi (enteda-se um possível dialeto marciano), até Marcy. Este último é utilizado até hoje no trabalho.

"Exceção escreve-se com c ou com dois esses?"

"Não sei, pergunte para a Marcy!"

Sem contar no consultório médico, quando o doutor simpaticamente anuncia: Juliana Mariano! Não, doutor, é Marciano. De Marte mesmo.

A situação mais engraçada aconteceu com a minha mãe. Numa bela tarde ligaram lá em casa e perguntaram: "Alô, é da Lua?" Minha mãe, coitada, sem entender nada disse que não, que era engano. A voz do outro lado rapidamente respondeu: "Ah, tá! É que me disseram que aí mora um monte de Marciano".

Não sei se você aí tinha alguma dúvida, no entanto, provo aqui que, mesmo inexplicavelmente, Marcianos existem sim. Se algum dia eu descobrir os mistérios de Marte, juro que conto neste blogue. Agora, para descobrir alguma coisa sobre uma certa marcianinha perdida neste cyber espaço, basta acessar o Proseando de vez em quando. Vou ali ver se já acharam a Nave Spirit e já volto.

fevereiro 08, 2004

Dom

Dom de ser maravilhoso. Assim resumo Machado de Assis. Indefinível. Assim defino o romance Dom Casmurro do mestre.

Hoje em dia, cinema e literatura estão lá, caminhando juntinhos. Não sei se por falta de criatividade dos roteiristas de plantão ou até mesmo pelo contrário – talento -, muitos cineastas estão transformando grandes obras literárias em filmes. No Brasil, o escritor preferido para ter suas obras transformadas pela sétima arte é o nosso grande Machadinho. Acabo de ver Dom, uma adaptação do romance mais famoso da literatura brasileira.

O romance? Maravilhoso. Perfeito em cada detalhe. Sensível. Inovador. Universal. O filme? Não chega a ser uma super produção, mas, para quem leu a obra, permite uma certa emoção. Dá uma saudade das belas palavras do nosso gênio literário...

É interessante ver a literatura nas telonas. Os americanos estão sempre testando essa técnica. As mais inusitadas foram Harry Potter e Senhor dos Anéis. Confesso que tentei ler o bruxinho do século XXI, mas não tive muita paciência. O filme não merece grandes comentários, mas não é tempo perdido dar uma paradinha para vê-lo. Ao menos pela pipoca.
Já a saga do anel dark merece ser assistida. Imagino que a leitura seja lá uns quinhentos por cento mais prazerosa.

Claro que, por mais fascinante que seja o mundo do cinema, jamais substituirá o prazer que se tem ao ler um bom livro. Sem comparação. Mas, por outro lado, ver bons escritores sendo homenageados desta forma pela sétima arte, faz com que a proliferação da literatura ganhe novos rumos. Escritores consagrados como Machado de Assis agradecem lá de cima e nós, amantes literários, agradecemos daqui de baixo.

fevereiro 05, 2004

Mulher

Diz-se da mulher um ser versátil. É mãe, esposa, amiga, irmã, filha, profissional, tudo ao mesmo tempo. É um ser com dons especiais, não apenas pelo fato de conceber, mas, sobretudo, pelo de descomplicar, mesmo que da forma mais complicada possível.

Desde cedo, nós, mulheres, nos deparamos com a complexidade de nossa existência. Na escola, as diferenças entre meninas e meninos e as intenções de superioridade do sexo oposto nos são impostas de forma taxativa. Muitas vezes, essas tais imposições vêm antes mesmo do período escolar, da própria família, como a continuação de uma educação tradicional, impotente sob qualquer tentativa de ruptura. E essas taxações continuam por toda a exisistência feminina, como uma cruel lembrança de que somos providas de uma certa fragilidade eterna, de contínua dependência e, conseqüentemente, de uma tal fraqueza.

Nas últimas décadas, de fato, houve um considerável avanço nesses aspectos e ainda existe um trabalho enorme na desmestificação do mito da fraqueza feminina. O cinema trabalha isso muito bem em filmes de grande escalão. O Sorriso de Monalisa, que está nas telonas atualmente, estrelado por Julia Roberts, trata da ruptura social que ocorreu na década de 50, em especial, no universo feminino. Mostra as dificuldades que a mulher encontrou para se estabelecer num sistema social ríspido e da relutância na quebra de certos valores pré-estabelecidos.

Mas não é só o cinema. O teatro também tem a sua participação neste processo. Recordo-me, por exemplo, da peça Joana Dark, a re-volta, produzida e estrelada por Christiane Torloni, que trata da força e garra da heroína que também se destacou por ser diferente da mulher convencional de sua época. E tem, ainda, o meio das artes plásticas, o meio musical e, acima de tudo, o meio literário, formado hoje por mulheres decididas, de personalidade forte e responsáveis por grandes mudanças sociais, políticas e de comportamento.

E tudo isso não acontece somente aqui no Brasil. Acontece no mundo inteiro e creio que seja muito mais que um aspecto cultural. Talvez, seja um aspecto artístico porque, independente de qualquer coisa, mulher é arte e é daí que vem a idéia de a mulher ser um ser complicado. Complicação. É isso o que os insensíveis vêem na arte - algo simplesmente complicado. Os mais atentos a vêem como beleza, como cultura e como solução para os nossos conflitos interiores. E exteriores também. Beleza, Cultura e, sem pretensões feministas, Solução. É assim que se resumem as mulheres de todos os tempos.

fevereiro 03, 2004

Da participação do Primeiro e Último Concurso de Microcontos, promovido por Marcelino Freire, nasceu o Médio Conto que se segue:

O menino que queria ser crônica

Seu nascimento já foi assunto para capa de jornal: nascera num táxi a caminho do hospital.

Nos principais acontecimentos da cidade, lá estava ele: no enterro do Seu Pafúncio, o primeiro açougueiro da cidade. Na cerimônia de posse do Prefeito Mascarenhas e até nas bodas de ouro do Seu Ítalo e da Dona Dorinha.

Dizia para todo mundo que um dia ainda haveria de ficar conhecido no país.

Quando ele aparecia, todos logos diziam: “Olha lá o menino que quer ser crônica!”

No dia do baile de debutante da filha do Seu Fortunato, a cidade toda estava com ares de festa. Seria um evento que ninguém perderia por nada neste mundo. Todos estavam alegres e ansiosos, exceto Raimundinho, o namorado da moça. Ele foi incumbido pelo sogro de preparar um belo discurso para a aniversariante, e teria que ser algo de emocionar platéias. O problema era que Raimundinho não tinha a mínima intimidade com as palavras.

O Menino que queria ser crônica, sabendo da dificuldade do rapaz, resolveu ajudá-lo de forma simples e encantadora: correu até a casa do Seu Andrade, o poeta da cidade, e pediu emprestado aquele livro de poemas do... do... como era mesmo o nome dele? Do Poetinha, sabe? Pois bem. O Seu Andrade, que sabia exatamente de quem se tratava, apanhou a coletânea de poemas e entregou-a ao Menino.

O Menino que queria ser crônica saiu correndo, eufórico para encontrar Raimundinho. De repente, no meio do caminho, foi atropelado por um dos caminhões carregados de flores para a festa.

A cidade, em euforia, não se deu conta do acontecimento. Logo mais à noite, na hora do discurso, Raimundinho, muito nervoso, não sabia por onde começar. Com a voz trêmula e muito nervoso, perguntou:

- Céus, cadê o Menino que queria ser crônica?

Alguém lá ao fundo, entre a multidão de convidados, respondeu:

- O Menino que queria ser crônica? Virou poesia.